Wednesday, February 29, 2012

Quando fecho os olhos por um minuto, perco 60 segundos de luz

Fotografia significa, literalmente, escrever com a luz. A etimologia da palavra simplifica de uma maneira genial o exercício de um fotógrafo. Conheci e vi palestras de fotógrafos que são muito cerebrais e minuciosos com seus trabalhos, e vi também alguns que não se analisam em nada, a ponto de se justificarem com a frase: “fiz porque quis”. O que todos os grandes têm em comum, e não se tem como duvidar disso, é o domínio da sua ‘linguagem’.

Quero usar aqui, como metáfora, os escritores de alta literatura. Há de se convir que é ridícula a idéia de que possa existir alguém que faça literatura que não tenha o domínio da lingua. Isso é essencial. Mas outra coisa importante é achar, dentro dos parâmetros dos signos e significados da linguagem, uma identidade linguística que o diferencie dos demais escritores. Em uma análise semiótica, os meios da mensagem seriam tão importante para a comunicação como a mensagem em si. Um Garcia Marquez pode ser identificado independente do assunto do texto, assim como seu texto é diferente de um Borges e de um Machado de Assis.

Não é mera coincidência que um dos maiores linguistas que já existiu também escreveu a melhor análise sobre a fotografia. Em sua Câmara Clara, Roland Barthes discute a fotografia usando métodos de estudo de signos. Em uma passagem, o autor destaca que toda a foto é contingente, e sem um contexto ela não significa nada, pois pode significar muitas coisas. Ora, se toda a foto é contingente, como então pode um fotógrafo criar um estilo característico?

Existem certos temas que são difíceis de irem além do seu clichê: bebês são fofos, mulheres lindas são atraentes, etc. Imagine uma foto de um cozinheiro, e logo vem a imagem de alguém de branco, vestindo um avental, dentro de uma cozinha. Essas idéias estão enraizadas no imaginário comum, e sempre serão encorpadas na fotografia. Alias, como já discutido nesse espaço, é difícil escapar da beleza estética da fotografia. O que os grandes fotógrafos fazem é desafiar essas idéias e noções.

Assim como escritores parecem desafiar a escrita como se houvesse uma constante dualidade entre um casamento perfeito e a luta pela palavra ideal (sugiro a leitura do conto de Machado de Assis “O Cônego ou a Metafísica do Estilo” para entender um pouco o processo de um escritor), os fotógrafos procuram uma identificação pelo entendimento da característica abrangente da fotografia.

Nesse contexto, a frase “Os limites da minha linguagem significam os limites de meu mundo” do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein sumariza uma angústia comum a quase todos os fotógrafos: ir além da tendência limitadora da fotografia. Afinal, nenhum fotógrafo tem a exclusividade da imagem.

Como, então, criar uma identidade? Um reconhecimento imediato que faça um expectador, quando vê uma imagem, dizer que ela pertence a esse ou aquele fotógrafo? Eu acho que esse não é somente o desafio de todo grande fotógrafo, mas sim na arte como um todo. E se houvesse uma fórmula mágica, não seria especial. Acho que isso ocorre através de muita emulação, angústia e tentativas. Mas, antes de mais nada, o conhecimento daquilo na qual se trabalha. Assim como ninguém nasce escrevendo, e imagino que Garcia Marquez errou muitas palavras até achar aquela ideal, um fotógrafo tem que ir à rua, ao estúdio, qualquer lugar, até que se encontre.

Para terminar, fecho com uma carta de despedida que Garcia Marquez, um dos meus escritores prediletos, que sofre de câncer linfático faz algum tempo, mandou para seus amigos. Se não por qualquer outro motivo, por pelo menos apreciar o se deve ser apreciado, que a finalidade de tudo isso que venho dizendo:

Carta de despedida aos amigos ( Gabriel Garcia Marquez)

"Se por um instante Deus se esquecesse que sou uma marionete de trapo e me oferecesse mais um pouco de vida, não diria tudo o que penso, mas pensaria tudo o que digo.
Daria valor às coisas não pelo que valem, mas pelo que significam.
Dormiria pouco, sonharia mais.
Entendo que por cada minuto que fechamos os olhos, perdemos 60 segundos de luz.
Andaria quando os outros param, acordaria quando os outros dormem.
Ouviria quando os outros falam e como desfrutaria de um bom gelado de chocolate...
Se Deus me oferecesse um pouco de vida, vestir-me-ia de forma simples, deixando a descoberto não apenas o meu corpo, mas também a minha alma.
Meu Deus, se eu tivesse um coração, escreveria meu ódio sobre gelo e esperava que nascesse o sol.
Pintaria com um sonho de Van Gogh as estrelas de um poema de Benedetti, e uma canção de Serrat seria a serenata que oferecia à Lua.
Regaria as rosas com minhas lágrimas para sentir a dor dos seus espinhos e o beijo encarnado das suas pétalas...

Deus meu, se eu tivesse um fragmento de vida... Não deixaria passar um só dia sem dizer as pessoas que quero, que as quero. Convenceria a cada mulher ou homem de que são meus favoritos e viveria enamorado do amor. Aos homens lhes provaria quão equivocados estão ao pensar que deixam de enamorar-se quando envelhecem, sem saber que envelhecem quando deixam de enamorar-se! A criança lhe daria asas, porém lhe deixaria que sozinho aprendesse a voar.
Aos velhos lhes ensinaria que a morte não chega com a velhice senão com o esquecimento.

Tantas coisas tenho aprendido de vocês, os homens... Tenho aprendido que todo o mundo quer viver no topo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir aescarpa. Tenho aprendido que quando um recém nascido aperta com seu pequeno punho, pela primeira vez, o dedo do pai, o tem apanhado para sempre. Tenho aprendido que um homem só tem o direito de olhar a outro com o olhar baixo quando há de ajudar-lhe a levantar-se.

São tantas coisas as que tenho podido aprender de vocês, porém realmente de muito não haverão de servir, porque quando me guardarem dentro dessa mala, infelizmente estarei morrendo" 




Wednesday, February 08, 2012

Exercício Fotográfico

Exercício Fotográfico


Um bom exercício para quem quer começar a explorar a fotografia é, como diria Tolstoi, começar com seu próprio jardim. Para contemplar isso, pego por exemplo a cidade de São Paulo. Algumas regiões da cidade são muito particulares, como a Mooca, Perdizes, Pacaembu, Vila Maria, etc. Parece que cada uma tem sua identidade, sua história, sua gente.

O exercício compreenderia achar o “espírito” do bairro. Uma série de imagens, ou até mesmo uma única foto que, sozinha, descreva o bairro na sua essência. O aspirante a fotógrafo teria um tema que conhece bem, já que vive na região e tem um contato diário com o lugar. Essa relação, que é mais do que uma imagem e envolve a experiência de viver ali, é o essencial para se estabelecer uma ligação maior do que o retrato convencional de uma paisagem. Alguém que vive em São Paulo imagina que a cidade seja a Paulista, o Ibirapuera ou qualquer outra imagem ligada ao turismo? Ou o Rio é o Corcovado?

Não, são relações muito mais complexas e, por muitas vezes, difíceis de serem explicadas. Elas têm de ser experimentadas, refletidas. Decerto, algumas fotografias são difíceis de serem explicadas da mesma maneira, o porquê elas funcionam do jeito que funcionam. Algo “pungente”, um detalhe que pulsa na imagem. O fotógrafo tem que tentar capturar a alma de seu bairro e ao mesmo tempo fazer uma das coisas mais difíceis dessa arte, tema que escreverei mais tarde sobre: uma identidade nas suas fotografias; fotos que ao serem vistas imediatamente remetam ao trabalho de um fotógrafo específico.

Friday, February 03, 2012

Fotografia no Brasil

Um ano de São Paulo, após voltar da minha longa estada no Reino Unido, minhas impressões sobre o estado da fotografia no meu país são desencorajadoras. Acho que por sermos um campo tão rico na área da antropologia, o país ainda privilegia fotografias etnológicas. Não há uma evolução, tanto em técnica quanto em narrativa. Ainda vejo, salvo exceções, tentativas de construir algo mais encorajador e novo que vá além do mero ato de captar uma imagem. A fotografia, como forma de arte, pode ir mais além.

Não temos um centro de excelência, um lugar onde se possa discutir, trocar experiência e olhar fotografias de outros profissionais. Isso é fundamental para a evolução dessa arte em nosso país. Um lugar assim não só encorajaria uma tentativa mais experimentalista sobre essa mídia, como iria também fomentar essa arte para o público em geral.

Só em Londres, de memória, lembro da Photographers´Gallery, PhotoFusion e Portrait Gallery, três exemplos que poderiam ser aplicados ao país. A Photographers’ Gallery é mais voltada à fotografia profissional já bem estabelecida. Nomes como Donnovan Wyllie e Sally Mann entre outros, já fizeram exposições e deram palestra lá. Há também um acervo fixo, e um significativo prêmio anual para fotógrafos.

A PhotoFusion possui estúdios e laboratórios digitais e químicos. Dispõe de cursos sobre fotografia voltados à comunidade e à população de baixa renda. Também há um espaço para exibições de trabalhos, usualmente para fotógrafos menos badalados.

A Portrait Gallery não é um espaço 100% voltado à fotografia, mas sim à arte de retratos como um todo (o que incluí pinturas, fotografias e esculturas). É interessante observar, nesse caso, como essas outras mídias “mais tradicionais” influenciaram a fotografia como um todo.

Todos esses “centros” são gratuítos e contam com ajuda do governo. Aqui no Brasil, apesar de existirem, vez ou outra, eventos com palestras e exibições, não há, pela falta de melhor definição, um espaço dedicado somente a isso. Uma comunidade que faça, e pense, a fotografia como um corpo de trabalho que vá além da técnica. A lei Rouanet está aí para isso, e certamente há espaço para esse tipo de local. Quem sabe, no futuro, tenhamos uma rede de lugares onde a prioridade seja a fotografia.