Fotografia significa, literalmente, escrever com a luz. A etimologia da palavra simplifica de uma maneira genial o exercício de um fotógrafo. Conheci e vi palestras de fotógrafos que são muito cerebrais e minuciosos com seus trabalhos, e vi também alguns que não se analisam em nada, a ponto de se justificarem com a frase: “fiz porque quis”. O que todos os grandes têm em comum, e não se tem como duvidar disso, é o domínio da sua ‘linguagem’.
Quero usar aqui, como metáfora, os escritores de alta literatura. Há de se convir que é ridícula a idéia de que possa existir alguém que faça literatura que não tenha o domínio da lingua. Isso é essencial. Mas outra coisa importante é achar, dentro dos parâmetros dos signos e significados da linguagem, uma identidade linguística que o diferencie dos demais escritores. Em uma análise semiótica, os meios da mensagem seriam tão importante para a comunicação como a mensagem em si. Um Garcia Marquez pode ser identificado independente do assunto do texto, assim como seu texto é diferente de um Borges e de um Machado de Assis.
Não é mera coincidência que um dos maiores linguistas que já existiu também escreveu a melhor análise sobre a fotografia. Em sua Câmara Clara, Roland Barthes discute a fotografia usando métodos de estudo de signos. Em uma passagem, o autor destaca que toda a foto é contingente, e sem um contexto ela não significa nada, pois pode significar muitas coisas. Ora, se toda a foto é contingente, como então pode um fotógrafo criar um estilo característico?
Existem certos temas que são difíceis de irem além do seu clichê: bebês são fofos, mulheres lindas são atraentes, etc. Imagine uma foto de um cozinheiro, e logo vem a imagem de alguém de branco, vestindo um avental, dentro de uma cozinha. Essas idéias estão enraizadas no imaginário comum, e sempre serão encorpadas na fotografia. Alias, como já discutido nesse espaço, é difícil escapar da beleza estética da fotografia. O que os grandes fotógrafos fazem é desafiar essas idéias e noções.
Assim como escritores parecem desafiar a escrita como se houvesse uma constante dualidade entre um casamento perfeito e a luta pela palavra ideal (sugiro a leitura do conto de Machado de Assis “O Cônego ou a Metafísica do Estilo” para entender um pouco o processo de um escritor), os fotógrafos procuram uma identificação pelo entendimento da característica abrangente da fotografia.
Nesse contexto, a frase “Os limites da minha linguagem significam os limites de meu mundo” do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein sumariza uma angústia comum a quase todos os fotógrafos: ir além da tendência limitadora da fotografia. Afinal, nenhum fotógrafo tem a exclusividade da imagem.
Como, então, criar uma identidade? Um reconhecimento imediato que faça um expectador, quando vê uma imagem, dizer que ela pertence a esse ou aquele fotógrafo? Eu acho que esse não é somente o desafio de todo grande fotógrafo, mas sim na arte como um todo. E se houvesse uma fórmula mágica, não seria especial. Acho que isso ocorre através de muita emulação, angústia e tentativas. Mas, antes de mais nada, o conhecimento daquilo na qual se trabalha. Assim como ninguém nasce escrevendo, e imagino que Garcia Marquez errou muitas palavras até achar aquela ideal, um fotógrafo tem que ir à rua, ao estúdio, qualquer lugar, até que se encontre.
Para terminar, fecho com uma carta de despedida que Garcia Marquez, um dos meus escritores prediletos, que sofre de câncer linfático faz algum tempo, mandou para seus amigos. Se não por qualquer outro motivo, por pelo menos apreciar o se deve ser apreciado, que a finalidade de tudo isso que venho dizendo:
Carta de despedida aos amigos ( Gabriel Garcia Marquez)
"Se por um instante Deus se esquecesse que sou uma marionete de trapo e me oferecesse mais um pouco de vida, não diria tudo o que penso, mas pensaria tudo o que digo.
Daria valor às coisas não pelo que valem, mas pelo que significam.
Dormiria pouco, sonharia mais.
Entendo que por cada minuto que fechamos os olhos, perdemos 60 segundos de luz.
Andaria quando os outros param, acordaria quando os outros dormem.
Ouviria quando os outros falam e como desfrutaria de um bom gelado de chocolate...
Se Deus me oferecesse um pouco de vida, vestir-me-ia de forma simples, deixando a descoberto não apenas o meu corpo, mas também a minha alma.
Meu Deus, se eu tivesse um coração, escreveria meu ódio sobre gelo e esperava que nascesse o sol.
Pintaria com um sonho de Van Gogh as estrelas de um poema de Benedetti, e uma canção de Serrat seria a serenata que oferecia à Lua.
Regaria as rosas com minhas lágrimas para sentir a dor dos seus espinhos e o beijo encarnado das suas pétalas...
Daria valor às coisas não pelo que valem, mas pelo que significam.
Dormiria pouco, sonharia mais.
Entendo que por cada minuto que fechamos os olhos, perdemos 60 segundos de luz.
Andaria quando os outros param, acordaria quando os outros dormem.
Ouviria quando os outros falam e como desfrutaria de um bom gelado de chocolate...
Se Deus me oferecesse um pouco de vida, vestir-me-ia de forma simples, deixando a descoberto não apenas o meu corpo, mas também a minha alma.
Meu Deus, se eu tivesse um coração, escreveria meu ódio sobre gelo e esperava que nascesse o sol.
Pintaria com um sonho de Van Gogh as estrelas de um poema de Benedetti, e uma canção de Serrat seria a serenata que oferecia à Lua.
Regaria as rosas com minhas lágrimas para sentir a dor dos seus espinhos e o beijo encarnado das suas pétalas...
Deus meu, se eu tivesse um fragmento de vida... Não deixaria passar um só dia sem dizer as pessoas que quero, que as quero. Convenceria a cada mulher ou homem de que são meus favoritos e viveria enamorado do amor. Aos homens lhes provaria quão equivocados estão ao pensar que deixam de enamorar-se quando envelhecem, sem saber que envelhecem quando deixam de enamorar-se! A criança lhe daria asas, porém lhe deixaria que sozinho aprendesse a voar.
Aos velhos lhes ensinaria que a morte não chega com a velhice senão com o esquecimento.
Tantas coisas tenho aprendido de vocês, os homens... Tenho aprendido que todo o mundo quer viver no topo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir aescarpa. Tenho aprendido que quando um recém nascido aperta com seu pequeno punho, pela primeira vez, o dedo do pai, o tem apanhado para sempre. Tenho aprendido que um homem só tem o direito de olhar a outro com o olhar baixo quando há de ajudar-lhe a levantar-se.
São tantas coisas as que tenho podido aprender de vocês, porém realmente de muito não haverão de servir, porque quando me guardarem dentro dessa mala, infelizmente estarei morrendo"
Aos velhos lhes ensinaria que a morte não chega com a velhice senão com o esquecimento.
Tantas coisas tenho aprendido de vocês, os homens... Tenho aprendido que todo o mundo quer viver no topo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir aescarpa. Tenho aprendido que quando um recém nascido aperta com seu pequeno punho, pela primeira vez, o dedo do pai, o tem apanhado para sempre. Tenho aprendido que um homem só tem o direito de olhar a outro com o olhar baixo quando há de ajudar-lhe a levantar-se.
São tantas coisas as que tenho podido aprender de vocês, porém realmente de muito não haverão de servir, porque quando me guardarem dentro dessa mala, infelizmente estarei morrendo"