Thursday, June 30, 2011

Donovan Wylie

Fiz um workshop com esse fotógrafo, e ele contou um pouco sobre o processo de seu último trabalho.

Donovan é um fotógrafo Irlandes, típica cria da Magnum. Recebeu notoriedade por causa de fotos que tirou durante a era mais intensiva de ataques do IRA e violência entre as Irlandas, foi cedo chamado a fazer parte do seleto grupo Magnum. Seus primeiros trabalhos refletem bastante o estilo criado pelos fundadores dessa agência de fotógrafos. Imagens dinâmicas, em preto e branco de masselas sociais.




Fotos que se adequaram ao padrão estabelecido por Cartier Bresson, George Rodger e tantos outros que fizeram a história da Magnum. Fotógrafos inspiradores, mas esse estilo foi tão emulado que ficou quase que um cliche. "Fotos em preto e branco de mazelas sociais". Durante conversas, Wylie nos contou que quase chegou a largar a prática fotográfica. Lembro bem o fotógrafo contando que achava que suas fotos não possuiam identidade própria. Seu estilo emulava o de outros, e isso lhe causava extrema angústia.

Em certa altura, mostrei fotos que tirei para o meu TCC na faculdade de jornalismo. Para esse trabalho, passei algumas semanas em uma ocupação do MST, junto ao meu colega André Larcher. Nossa propasta era "retratar" as pessoas dentro do movimento, que tantas vezes são ofuscadas em prol da causa. Em nossa introdução, escrevemos sobre isso, dar nome e rosto aos personagens. Lembro que tanto André (que ficou responsável pela parte escrita da história), quanto eu tivemos problemas durante a realização dessa obra. Justamente no ato de contar essa história.





Ao olhar essas fotos, Donovan foi sucinto: "isso não presta". Não foram essas palavras, mas o sentido foi esse. "Não se faz mais esse tipo de foto. Além disso, isso não passa nada, não mostra nada". É uma fase que todo fotógrafo passa, disse, e quase tem que passar. Mas é preciso evoluir. Ir além, usar a fotografica como uma mídia narrativa. Algo que traga experiência ao expectador. Que surpasse a mera representação de uma imagem e eleve um trabalho para uma narrativa em si mesma.

E isso é o grande desafio da fotografia contemporânea. Uma imagem isolada, sem contexto, pode representar tudo e, portanto, nada. Esse genericidade da fotografia é uma das principais características dessa arte. Barthes falou sobre isso em sua "Camera Lucida", no que ele chamou de Studium. O Studium é o sentido global da imagem, a identificação genérica na fotografia. Mas há na fotografia algo que quebra o Studim, um ponto de referência que disturba o sentido genérico da imagem, o que Barthes chamou de Punctum ("Camera Lucida" é como uma bíblia para a fotografia, e o melhor trabalho para se entender e apreciar esse tipo de arte). Um bom fotógrafo usa essas características e explora esses fatores para criar um contexto além de uma legenda ao pé da foto.

Maze

Existia uma prisão na Irlanda que por muito tempo abrigou presos políticos, em sua maioria do IRA, chamada Maze. Ela era uma instalação militar, e, quando do acordo entre IRA e governo sobre legalizar essa organização, e o perdão subseguinte aos presos, essa prisão foi fechada. Um pouco antes de ser demolida, Donovan foi convidado a fazer um trabalho nela. A principio não quis aceitar. Agora não consigo me lembrar bem a razão disso, acho que tinha a ver com esse revisionismo de sua carreira, e como não queria voltar a esse tema. Mas, porfim, aceitou. Lembro-me bem de Donovan dizer quão impressionado ficou quando entrou em Maze: da importância histórica do lugar, e como aquilo era um símbolo do seu país de então.

O problema veio na hora de estabelecer uma estratégio de trabalho. Ele nos disse que ficou um mês vivendo na prisão, sem tirar fotos, vivenciando o lugar. A idéia de como fazer aquela documentação veio depois de notar certas coisas. "Depois de algum tempo, vivendo naquele lugar austero e cinza, eu comecei a me apegar aos minimos sinais de cores. Aos detalhes que saiam da normalidade da paisagem", disse Donovan. Ele explicou que a prisão era projetada a parecer um lugar sem saída, literalmente. Isso para quebrar o espírito de quem morava ali. Grandes corredores de paissagens iguais causavam extrema angustia. Seu grande desafio era como passar essa sensação em seu trabalho.









Donovan estabeleceu uma estratégia rígida e formal. A luz para essas fotos seria a mesma. O enquadramento o mesmo para todas. Ele andaria a cada cinco metros e tiraria uma voto. Depois, em seu livro, colocaria uma foto por página, na ordem em que elas foram tiradas. Ele imaginou que o espectador ficaria angustiado ao folhear o livro e ver, ao que tudo parecia, a mesma imagem. Imaginou também que esse mesmo espectador fosse folheá-lo de novo, só que dessa vez com mais cuidado, para conferir realmente se de fato eram as mesmas fotos. Para destinguir se uma foto é diferente de outras, ele teria de observar certos detalhas, a diferença na grama, algumas folhas que mudam de lugar, a parede que se aproxima, o número ao lado da parede. Compararia o número 1 com o número 5, que têm a mesma distância para o fundo da imagem. Seria preciso achar um pouco de caos na ordem militar dessas imagens.

Esse trabalho não é sobre a beleza que essas imagens sucintam. Ao contrário, elas fogem de qualquer idéia de estética, como se não quissesem ser distraídas por isso. Há de se observar o lugar, e imaginar viver lá. Um labirinto sem fim de repressão sem futuro.

Monday, June 27, 2011

Preto e Branco (com tons de cinza)


Estilo e substância

Já se disse sobre o trabalho de Sally Mann que o que a interessa na fotografia é a estética. Isso seria simplificar um pouco a obra dessa fotógrafa, mas não estaria longe do ethos das fotos dela.

A primrose by a river's brim. A yellow primrose was to him, And it was nothing more.”

Pode ser dito do poema de William Wordsworth da ironia sobre as metáforas construídas em poemas rebuscados. O normal da rosa amarela, esse acontecimento mundano de vê-la como ela é, como se o ato de ver essa imagem não fosse especial. Desse poema, eu aplicaria às fotografias de Sally Mann, mas acrescentaria a opinião de Fernando Pessoa sobre ele.

Fernado Pessoa (ou Alberto Caeiro), sobre esse poema disse: "O que esse seu poeta inglês queria dizer era que para o tal homem essa flor amarela era uma experiência vulgar, ou uma coisa conhecida. Ora isso é que não está bem. Toda a coisa que vemos, devemos vê-la sempre pela primeira vez, porque realmente é a primeira vez que a vemos. E então cada cor amarela é uma nova flor amarela, ainda que seja o que se chama a mesma de ontem. A gente não é já o mesmo nem a flor a mesma. O próprio amarelo não pode ser já o mesmo. É pena a gente não ter exactamente os olhos para saber isso, porque então éramos todos felizes".

O que se enfoca numa fotografia de Sally Mann é o próprio ato de ver, o olhar da fotógrafa. Nesse quesito, o estilo vence a substância. A experiência que se traz ao expectador é o do belo, da perfeição da técnica, do expetáculo.






Em suas exibições, que tive o prazer de ver na Fotographer's Gallery, as fotos são magnânimas: se não pelo tema, mas sim pelo tamanho. Não notei nenhuma preocupação com uma linguágem clara nas sequências, como se o tema em si não fosse importante. Porque, sinceramente, não era. Quer seja os retratos das árvores ou dos rostos, o que atrái nessas fotos é o sublime, a beleza.


Os retratos que a fotógrofa tirou de sua família são extraordinários. Feitos com câmeras de grande formato, filmes altamente granulados e composição impecável. Mas como um corpo de trabalho, acho que simulam bastante àquelas fotos que familias tiram em viajem. Se ao invés da câmera descartável alguem trouxesse uma 30x30.



Mann vinha tentando temas mais "profundos". Existe uma certa insegurança nessas fotos, como se certas críticas estivessem afetando a confiança dela.

 Em seu último trabalho, há uma pequena mudança de paradigma. As fotos parecem focar menos a beleza, a estética e a composição. O olhar é outro.




Sally tira fotos de seu marido, na qual está casada há quarenta anos. Ele, porém, acabara de ser diagnosticado com distrofia muscular. Nessas fotos, há uma mistura de melancolia, amor e decadência. É quase uma análise médica do corpo, mas muito mais. Passa uma intimidade e afeto que é difícil não se comover. As fotos, tiradas em Wet Collodian, estão em decomposisão, e dialogam tão bem com a imagem. A substância se une ao estilo em um casamento perfeito.