Monday, June 27, 2011

Preto e Branco (com tons de cinza)


Estilo e substância

Já se disse sobre o trabalho de Sally Mann que o que a interessa na fotografia é a estética. Isso seria simplificar um pouco a obra dessa fotógrafa, mas não estaria longe do ethos das fotos dela.

A primrose by a river's brim. A yellow primrose was to him, And it was nothing more.”

Pode ser dito do poema de William Wordsworth da ironia sobre as metáforas construídas em poemas rebuscados. O normal da rosa amarela, esse acontecimento mundano de vê-la como ela é, como se o ato de ver essa imagem não fosse especial. Desse poema, eu aplicaria às fotografias de Sally Mann, mas acrescentaria a opinião de Fernando Pessoa sobre ele.

Fernado Pessoa (ou Alberto Caeiro), sobre esse poema disse: "O que esse seu poeta inglês queria dizer era que para o tal homem essa flor amarela era uma experiência vulgar, ou uma coisa conhecida. Ora isso é que não está bem. Toda a coisa que vemos, devemos vê-la sempre pela primeira vez, porque realmente é a primeira vez que a vemos. E então cada cor amarela é uma nova flor amarela, ainda que seja o que se chama a mesma de ontem. A gente não é já o mesmo nem a flor a mesma. O próprio amarelo não pode ser já o mesmo. É pena a gente não ter exactamente os olhos para saber isso, porque então éramos todos felizes".

O que se enfoca numa fotografia de Sally Mann é o próprio ato de ver, o olhar da fotógrafa. Nesse quesito, o estilo vence a substância. A experiência que se traz ao expectador é o do belo, da perfeição da técnica, do expetáculo.






Em suas exibições, que tive o prazer de ver na Fotographer's Gallery, as fotos são magnânimas: se não pelo tema, mas sim pelo tamanho. Não notei nenhuma preocupação com uma linguágem clara nas sequências, como se o tema em si não fosse importante. Porque, sinceramente, não era. Quer seja os retratos das árvores ou dos rostos, o que atrái nessas fotos é o sublime, a beleza.


Os retratos que a fotógrofa tirou de sua família são extraordinários. Feitos com câmeras de grande formato, filmes altamente granulados e composição impecável. Mas como um corpo de trabalho, acho que simulam bastante àquelas fotos que familias tiram em viajem. Se ao invés da câmera descartável alguem trouxesse uma 30x30.



Mann vinha tentando temas mais "profundos". Existe uma certa insegurança nessas fotos, como se certas críticas estivessem afetando a confiança dela.

 Em seu último trabalho, há uma pequena mudança de paradigma. As fotos parecem focar menos a beleza, a estética e a composição. O olhar é outro.




Sally tira fotos de seu marido, na qual está casada há quarenta anos. Ele, porém, acabara de ser diagnosticado com distrofia muscular. Nessas fotos, há uma mistura de melancolia, amor e decadência. É quase uma análise médica do corpo, mas muito mais. Passa uma intimidade e afeto que é difícil não se comover. As fotos, tiradas em Wet Collodian, estão em decomposisão, e dialogam tão bem com a imagem. A substância se une ao estilo em um casamento perfeito.



No comments: