Sunday, March 26, 2006

Ridi pagliaccio

Pobre Pierro, tropecou no proprio coracao. Danado, metido a malandro, arrancou-le do peito e pregou na porta da Columbina. Nao sabe dos novos tempos, coracão pregado nao eh armadilha, virou cilada. Deixou-se fluir no tempo da pressa. Não sabe que o verdadeiro significado do amor nao vale o beijo de menina namorada. Rejeitado, o coracão, largado no chão, pisado e mijado. Columbina hoje não sonha, aprendeu a voar, usa chapeu e gosta de uma fanfarra. Virou independente, ve se pode!

A arlequinada toda invade a cidade e inunda cada fresta de rua podre e transforma cada hora monotona em uma rotina de alegria e orgia. Vieram do leste, ciganos do ocaso, trouxeram na bagagem maravilhas sem igual: um tapete persa que no comando “haslam” eh capaz de voar (se vc pesar menos de 80 kilos); trouxeram uma pedra mais brilhante que o cristal e que em um toque lhe rouba o calor, e de rara beleza, mas nao por ser rara, mas por se desfazer rapido. Trouxeram um roxinal roxo que canta em mil linguas (menos o portugues); vieram em sua mala Caliope, musa de mil feitos e habilidades, capas de inspirar o mais inepito dos homens.

Trouxeram a luz e a alegria, guitarras de dez cordas, trompetes de vinte metros, tambores de aimores; trouxeram a musica numa escala hiata decrescente, mostraram a oitava nota musical e levaram o barulho nesta cidade quieta e silenciosa. Rodaram saias, aprontaram com meninas virgens, roubaram o sono dos homens, provocaram brigas e suicidio dos apaixonados; molestaram padres e freiras, roubaram risos e lagrimas. Mas Pierro bobeou. Pregou seu coracão em porta errada. Andou por muito tempo no pais dos sonhos e se esqueceu da realidade.

A arlequinada vai embora e leva as suas guitarras, musas e tapetes. Vai num sopro gelado, cabisbaixa e humilhada. Toca uma fanfarra, uma marcha funebre de enterro Polaco, e seu som se vai cada vez mais distante, mais distante, mais

D
is
ta
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e...

Thursday, March 23, 2006

Seu Ze do IML

-Alo?
-Alo seu Ze.
-Dona Rita! Quanto tempo, como vai a senhora?
-Com o coração que não se aguenta...
-Seu fiho?
-Meu filho...
-O mais novo?
-O mais novo...
-Esses filhos não sabem tratar bem os pais, deixam a gente apavorados com tanta violencia por ai... Eu que sei!
-O senhor que sabe...
-Hoje mesmo, chegou um aqui muito parecido com a foto que a senhora me deu. Acidente de moto. Mas eu imaginei que a senhora não fosse deixar o seu menino andar de moto.
- De jeito nenhum! Nem bicicleta, q não eh nem com ele que eu me preocupo, mas com os outros. Tanta imprudencia nessas ruas, o senhor que sabe!
- Eu que sei. Mas faz tempo que eu não recebia sua ligação, costumava ser semanal... As noites passam frias aqui, e de vez em quando faz bem falar com uma alma viva. Alconteceu alguma coisa grave? Seu filho desapareceu denovo?
-Sim. E não da noticias...
-Olha, eu vou dar uma checada pra ver se a gente não recebeu mais nenhum pacote...
- Não precisa se incomodar não. Ele não ta ai.
-Sem querer parecer insensivel, mas aqui eh o destino de todos.
-Não tem como ele estar ai, ele nao esta nesse pais. Acho que eu ter te ligado foi soh um reflexo. Acordei assustada, pensando no mundo, tão violento...
-Realmente...
-Pois bem, acostumada como era, peguei o telefone e disquei esse numero.
-Então tah.
-Desculpa incomodar.
- Não foi incomodo não.
- Boa noite pro senhor.
- Durma com os anjos, dona Rita.
.
.
.
- Seu Zeh, ainda tah na linha?
- To sim...
- Me faz um favor? Me dah soh uma olhadinha pra ver se ele não ta ai; ja que liguei, não custa nada averiguar... O senhor eh que sabe.
- Eu que sei. Pode deixar dona Rita, eu vejo sim.

Sunday, March 12, 2006

Ai de mim Perdizes

Sao meio dia aqui, e jah comeca a primavera. Todos estao dormindo nesse domingo, e a ressaca me moi o cranio. Na radio Beatles, e soh Beatles, como se no mundo nao se precisasse escutar outra coisa. Nao sei porque, mas durante a manha inteira (estou acordado desde as oito) pensei em casa, Sao Paulo, como se tudo aqui me parecesse lah, ou se lah fosse como aqui. Nao que haja qualquer similariedade, mas fecho os olhos e me vejo caminhando em casa, na minha cama, no meu quarto baguncado com roupas e livros por toda parte, e no corredor eu trombo na escrivania e acordo minha mae, que pede para meu pai ver o que aconteceu, que desse do andar de cima e aproveita para fazer um lanchinho e me beija carinhosamente na bochecha. E a porta da sala abre de subito e dela Garavelli, fruto de uma amisade de mais de dez anos que nao precisa ser anunciada. Meu pai o abraca e convida para partilhar do lanche. Saio da minha casa, e na minha mente esta clara, o mesmo hall do elevador, com pisos marrons, as paredes brancas. As duas portas do elevador enfileiradas na direita, e eu aperto a botao do elevador social, e agora me vejo no espelho a espera e a angustia. Vejo as ruas no meu caminho, o meu caminho, que conheco cada rachadura, cada bosta diaria no chao, cada buraco. O meu caminho, que sempre faco para ir pra faculdade, ou cursinho, batista, Gara, Ivo, Pedro ou pra sair livre pelo meu caminho. Londres eh plana, diferente de perdizes onde em cada morro se esconde a surpresa do horizonte. Cada onibus duplo se encole e se pinta de branco e vermelho. O torcedor do arsenal se transforma em um sao paulino feliz. As ruas se apinham de gente, as mulheres tiram o agasalho e se fazem mais tinhosas, a Oxford street vira a Paulista, a Trafalgar se apinhota de moleques cheirando cola e me vejo na Seh. O Thames passa a feder e da ponte imagino me jogando no Tiete.
Em toda a parte aqui eu reconheco Sao Paulo, mas em toda a parte eu sei que nao eh, pois em tudo reconheco como meu numa uniformidade a ser construida, uma natureza selvagem a ser domada de acordo com a minha mente, como uma obra de arte abstrata, e a minha mente sempre tenta elaborar a cidade perfeita, o lugar perfeito de se estar, e em tudo eu reconheco em algo essa perfeicao, mas tambem eu vejo que aquilo nao me pertence, pois se ao mesmo tempo me sinto parte de tudo, sinto tambem que nao pertenco a lugar nenhum.